Daniel Reis Plá – Ator, Pelotense e Doutor


Texto: @LuciahTavares

As palavras que escolho para o título são estas três, mas infinitas mais podem somar-se a lista de ofícios e adjetivos que Daniel Reis Plá possui. Diretor, professor, pesquisador, escritor… Quem o conhece ou teve o prazer de conviver com ele sabe que não estou exagerando. Um doutor sim, mas um doutor das artes e pelotense, segundo palavras do próprio “Nascido e batizado no bairro do Porto!”.

Daniel que atualmente é professor nos cursos de Bacharelado em Artes Cênicas e Licenciatura em Teatro na Universidade Federal de Santa Maria(UFSM), e atua como consultor artístico do GPT Fogo Fátuo e da Cia. de Teatro São Genésio, ambos sediados em Campinas/SP, iniciou atuando em teatro em Pelotas.

“Sou de uma época em que nossa cidade era um pólo de cultura. Comecei a fazer teatro na Escola Técnica, com o Flávio Dornelles, e lembro que havia diversos grupos. Nilo Corrêa tinha um espaço cultural na Álvaro Chaves, o estúdio Cênico. Marco Tavares orientava um pessoal no bairro Areal. Havia mostras amadoras e estudantis. Isso foi em 1988 (meu Deus, estou velho), e a gente respirava teatro. Foi aí que, como dizem por aqui, se foi o boi com a corda, fui fisgado pelo teatro e não me separei mais.”

Em seu espetáculo de estréia: “Restos do Amanhã”(1988), do Grupo Oficina, lembro que ele deixava o público de olhos fixos, e emocionado diante sua visceral interpretação. Um de seus textos iniciava com as seguintes palavras: “De hoje em diante a sociedade e a ordem pública terão um problema a menos para se preocupar…” a força de sua presença cênica já chamava tanto atenção, que em 1994, quando Daniel atuava junto a Cia Z de Teatro, o ator Paulo Autran(1922-2007) ministrou em Pelotas um workshop, Daniel surpreendeu o mestre dos palcos brasileiros que o descreveu como “um ator intenso e verdadeiro”. Para quem tem ou teve (como eu) o prazer de atuar ao lado de Daniel isto não era nenhuma novidade. Sua generosidade e o anseio por buscar conhecimento e desenvolver em cena um trabalho melhor sempre foram uma constante, e não importava qual fosse o espetáculo ou o lugar, ao término da apresentação Daniel sempre buscava discutir ou debater com os colegas de cena, um ou outro ponto.

Ainda em Pelotas/RS junto a Cia Z de Teatro atuou em mais de dez espetáculos, todos levados ao palco do Teatro Sete de Abril, COP, do Cine Tabajara ( que para quem não sabe era um cinema que tinha palco, localizado na Rua Osório entre a Avenida e a Rua Dr. Amarante) e em auditórios e teatros de diversas escolas de Pelotas, e circulavam por todos os municípios da zona sul e região da campanha estendendo-se em apresentações até cidades uruguaias.

Em 1997 mudou-se para Santa Maria/RS , para cursar a graduação em teatro da UFSM onde hoje ministra aulas. Lá também atuou em diversas montagens.

Como pesquisador foi membro do “Tau do Clau” entre 1998 e 2000, grupo de pesquisa da UFSM/RS onde dedicou -se a uma larga investigação prática sobre o clown tanto no âmbito artístico quanto ao que se refere às interfaces deste com a educação. Na sequência cursou Mestrado em Artes no Instituto de Artes da UNICAMP/SP. Entre os anos de 2003 e 2007 foi orientador de artes cênicas contratado pelo SESI-SP, onde ministrou oficinas e dirigiu os espetáculos “Francisco” (2004), “O Noviço” (2005), “Circo du só Lerdo” (2006) e “Quando Havia cor” (2006). Entre os meses de Dezembro de 2007 e março de 2008 esteve na Índia (Tergar Institute/ Bodhigaya) onde realizou estudo ligado a seu projeto de doutoramento em artes pela UNICAMP; e na Inglaterra onde teve contato com o trabalho do professor Phillip Zarrilli, que é um mestre na arte marcial indiana Kalaripayattu, e um ator e diretor que tem pesquisado há mais de 30 anos a conexão entre as artes tradicionais do sul da Índia e o teatro do ocidente.

Sobre a importância destas suas vivências no exterior ele diz:

“Meu mundo se alargou com isso. Vivenciar contextos culturais diferentes permitiu que eu visse a mim mesmo de um modo muito claro. Meus medos e preconceitos vieram totalmente à tona. Ser estrangeiro num país distante, onde as pessoas falam uma língua que não entendes, gera um tipo de solidão e dependência que comparo somente as das crianças. A necessidade de adaptação fez com que meus modelos de percepção fossem confrontados e flexibilizados a cada instante. Mas isso só acontece quando não somos turistas no lugar. Quando temos que conviver com as pessoas reais, em situações reais, e não quando estamos protegidos pelas paredes de um hotel cinco estrelas. Da Índia eu trouxe a vivência de que outro mundo é possível.”

Em 2009 ele fez parte da reunião científica realizada entre pesquisadores brasileiros da área de meditação com o monge tibetano Yongey Mingyur Rimpoche. Entre suas inúmeras publicações podemos citar “Corpo Ilusorio: A Espetacularidade Corporal do praticante de meditação” (2007).

Como Daniel é professor de uma universidade federal não resisti em lhe perguntar se aderiu à greve e o que pensa da educação diante deste momento que a sociedade está passando, com diversas mobilizações no Brasil e no mundo afora, e como tais ações podem influenciar a arte, sobretudo o teatro.

Daniel primeiro disse que a pergunta era difícil, riu e respondeu:

“Sim, estou em greve. E faço isso não por acreditar nesse tipo de ação, mas porque não imagino outra forma de protestar e acredito que precisamos demonstrar nosso descontentamento com o descaso que o governo Dilma tem apresentado com o ensino superior, retrocedendo em diversos pontos do governo anterior. Atualmente um servidor federal da educação ao se aposentar perde quase dois terços de seu salário, isso porque grande parte dos vencimentos dos professores se refere a gratificações que não são incorporadas ao salário na aposentadoria. As perdas salariais são enormes, haja vista sobre o fato de que há muitos anos os professores não tem seu salário reajustado. Aumento de salário real faz décadas que não existe.”

Sobre a onda de protestos disse que acha muito bom e que “vai fomentando um tipo de desejo pela mudança” e quanto a influência disto na arte disse que não saberia precisar, mas destacou como um exemplo de movimento artístico engajado num processo de mudança o FORA DO EIXO,

“ eles propõe um novo modelo de produção e circulação da arte, baseado num modelo diferente da sociedade atual. Eles são, na minha opinião, o que há de mais revolucionário hoje no país. No teatro as ações do FORA DO EIXO tem iniciativas muito interessantes, em vários estados brasileiros. Em Santa Maria, tem sido de extrema importância para a cena teatral da cidade, e em Pelotas também tem havido ações neste sentido.”

Foi inevitável também querer saber qual sua opinião sobre o fato do Teatro Sete de Abril estar de portas fechadas:

“O Sete de Abril é parte indissociável da minha história. No Sete de Abril, vi espetáculos que são referência de qualidade para mim até hoje; vi atores como Paulo Autran e Antônio Fagundes; conheci artistas de diferentes estados e países. Foi também o primeiro palco “de verdade” que pisei. Lembro da energia do lugar, e do quanto me sentia pequeno pisando naquele palco enorme, lembro da emoção da cortina abrindo e de ver aquela boca de cena gigante na minha frente, com aquelas cadeiras apinhadas de gente. O fato de ele estar fechado é mais que triste, é vergonhoso. E isso é um descaso enorme com a cidade, sua história, e com todos os cidadãos, que tem negado seu direito de usufruir desse espaço. Aliás, é um descaso com história das artes cênicas de nosso estado, pois este é um dos teatros mais antigos do país. É uma lástima que um teatro que é uma obra de arte em si, com uma história tão rica, seja deixado de lado pelo poder público como se fosse pouco mais que nada. Tenho o sonho (agora menos) secreto de voltar a pisar no seu palco, que faz parte da minha própria história e da minha paixão pelo ofício que escolhi.”

Busco algo mais para escrever depois de suas lindas palavras, e nas imagens de minhas memórias artísticas, vejo o doutor sendo perseguido por crianças enlouquecidas, algo que nem os Beatles sonharam ver! E lembro que tive o privilégio de tê-lo como ator em meu primeiro texto teatral. E em minha humana saudade, num delírio talvez, vejo o ator pelotense, numa noite fria, numa rua deserta de uma cidade da fronteira, com seus óculos, um longo cachecol, um livro do Stanislavsky numa mão, a bombinha da asma na outra, equilibrando um cenário na cabeça, com toda a sua inerente espetacularidade meditativa.

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Luciáh Tavares é correspondente do e-cult Mídia Ativa, atriz profissional, dramaturga e blog writer. Cursou Bacharelado em Interpretação Teatral na UNIRIO- Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro.