Resenha: Bennett Back to Brooklyn


Por Guilherme Oliveira 

(15 de Março no Diabruras Gastronômicas)

A apresentação do Rafael Bennett é uma apresentação do retorno. Se trabalha como intérprete sobre um certo repertório, trabalha sempre como quem retorna às canções e a si mesmo. Desde o início do show, torna visível uma estreita linha narrativa que o assoma àquele banco com seu violão: menciona o retorno de Minas Gerais e, agora, à zona do Porto. “Alguns músicos locais fazem turnê pela Europa. Eu faço por Pelotas mesmo”, brinca.

Trabalhar sobre o retorno, no entanto, não se limita a uma mera pretensão narrativa que procura justificar a apresentação com as medidas de uma história particular — a saber, escolhida para a composição do artista. Apresentar o retorno é, de certo modo, utilizar-se do repertório também como instrumento de jornada — no show, marcam menos as canções escolhidas pelo cantor do que o zelo e o desvelo como ele trabalha sobre cada uma delas. Nos meus poucos anos de fantasma nessa cidade, não conheci um músico ou um artista tão preocupado e empenhado consigo mesmo quanto o Bennett. Isso, contudo, não se assemelha em nada a um pedantismo ou arrogância: pelo contrário, parte, como vejo, de um entendimento basilar de quem se envolve não apenas como um canção, mas com a maneira de apresentá-la e de relacioná-las. Esse modo é um retorno que, antes de qualquer outra coisa, enfatiza o trabalho e as condicões de trabalho do próprio músico — em vez de apresentar a música, Bennett apresenta a si mesmo através das músicas. E o faz com respeito e humildade — usa Paulo Ricardo para dar prosseguimento a uma canção de Jeff Buckley.

Ao término da apresentação, em conversa, os presentes lhe dizem que muitas das versões deram vontade de voltar às originais, de ouvi-las novamente. As coisas soam diferentes na voz de Bennett. E ele sabe dessa diferença, eis que não se trata da busca pela correção na possibilidade de apresentar uma canção; trata-se, antes disso, de uma maneira de utilizá-la para apresentar-se ele mesmo e o seu próprio trabalho musical: um trabalho que se empenha por uma certa visão do todo. Parece-me sua missão como intérprete: difundir a si mesmo por entre uma série de composições — e é sempre um prazer ver essa fantasmagoria se assomar de maneira tão aplicada.

Rafael Bennett é apenas o cantor. Tem trinta e dois anos, uma graduação em filosofia e uma qualidade musical da qual esse texto não consegue dar conta. Estabeleceu-se em Minas Gerais e lá encontrou Pelotas. Voltou mais pelotense e, de acordo com a própria saga, é um fantasma que flutua pela zona do porto.