O Grammy para Ian Ramil (Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa) com o disco ‘Derivacivilização’ é muito significativo. Não pelo Grammy em si, mas pelo quê o trabalho do Ian representa neste momento.
por: Leandro Maia
1) O Ian nunca perseguiu facilidades. É um cara que se expõe, manifesta suas idéias, busca diálogo e se posiciona. Derivacivilização é um disco de posicionamento fortíssimo e contemporâneo. O prêmio não deixa de ser um recado da comunidade internacional ao que ocorre no Brasil. Deixo a dica da canção ‘Artigo 5º’, direta e no rim. O disco apresenta ainda uma baita diversidade, profundidade nas letras, incluindo delicadeza e um trabalho de banda super bem concebido.
2) Derivacivilização foi feito através de crowdfunding, gravado em sua casa em Pelotas, pelo Lauro Maia e equipe do A Vapor Estúdio. Lançado pelo selo Escápula discos. Independente. Pra quem não sabe, escápula é o osso da ‘paleta’, como diriam os gaúchos,a antiga ‘omoplata’. Ou seja, a galera se propõe a trabalhar, literalmente ‘paletear’, carregar o piano nas costas. A Escápula e o A Vapor são extremamente profissionais, participam de feiras, estão atentos ao universo independente, investem em qualificação profissional e na gestão do selo e em produção cultural. Paleteiam e abrem a picada, pra manter o jargão sulista.
3) Acho que vale mencionar e lembrar da indignação do Ian em não ter sido recebido pela grande televisão local, no caso – o Jornal do Almoço/RBS. Manifestou esta indignação ao ver Paula Fernandes falar de sua indicação ao Grammy. Ele disse ‘Eu também fui indicado e nunca tive espaço neste programa’. Eu perguntaria: em quantas rádios pop-rock gaúchas o disco do Ian tem tocado? Quais são os programas de TV para a música local? Assim como quase todos os artistas gaúchos, ele saúda a importância das rádios públicas e educativas, que são as que tocam o nosso repertório sem pedir Jabá ou qualquer coisa parecida.
4) Lembro do Ian participando e colaborando com artistas de sua geração. A excelente turma da Apanhador Só, entre outros baitas. Participou de movimentos como ‘Escuta o Som do Compositor’ e ‘ASC – Autorial Social Clube’. Transita entre Poa e Satolep. Prestem atenção nessa geração, que passa por Felipe Cato e Gisele de Santi, Trem Imperial, Fabrício Cambogi, Marcelo Fruet e mais um monte, um monte de gente boa e ótima. Desculpem não mencinar A ou B diretamente. Acredito que esta geração resolveu importantes equações da música MPB/Rock no RS, sem afetação ou provincianismo. Com visão abrangente, sem queixumes, mas sabendo das boas brigas.
5) Há pouco, Ian recebeu o Prêmio Açorianos de Música como melhor compositor Pop-Rock. As indicações do Açorianos ocorreram antes da divulgação do Grammy. Acho essa que foi a única indicação. Derivacivilização, como álbum, sequer foi indicado. Não que eu discorde dos vencedores. Quero ressaltar, sim, a importância dos indicados. Não quero criar uma polêmica desnecessária, apenas refletir sobre critérios manifestos pelo inconsciente coletivo portoalegrense que premia compositores sem indicar seu álbum. Não é uma crítica ao prêmio. Isso possivelmente ocorre em outros lugares, áreas e situações. Como o Açorianos é o único registro histórico que temos em termos de música, menções e premiações no RS, acho que merece maior divulgação e reconhecimento. Digo isto porque tive de escrever estes tempos sobre a produção musical gaúcha e quais evidências históricas eu tinha a minha disposição? Basicamente, o Prêmio Açorianos e os contemplados pelo FUMPROARTE.
6) Existem edições do Açorianos passados, no site da SMC, em que não são registrados os indicados, apenas os vencedores em um arquivo word. Não há suficiente crítica musical em Porto Alegre que dê conta de registrar a música da cidade. Em geral as matérias de jornal pós-prêmio fazem o favor em sintetizar chamadas como ‘Fulano de Tal foi o grande vencedor do Açorianos’. Repito: não é crítica aos vencedores, mas a necessidade de valorizar os indicados. A valorização dos indicados valoriza o prêmio, valoriza os vencedores. É só conferir. Os espaços nos jornais são mínimos.
Enfim: Vocês se deram conta de que, se Derivacivilização não tivesse sido indicado a Grammy, o álbum não existiria na história da cidade daqui a dez anos? Percebem o desperdício de energia criativa que cultivamos?
Abraços e viva a teimosia!
Leandro Maia
Músico gaúcho, professor do curso de música popular da UFPel, atualmente fazendo doutorado na Inglaterra
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.
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