Sobre O Show de Truman (1998) | 24 Frames de Literatura


Nós aceitamos a realidade do mundo com o qual somos apresentados – quote de Christof

Por Carlos Ossanes

Truman Burbank é um homem real, como a tradução do seu próprio nome sugere. Salvo pelo fato de ter sua vida transmitida ao vivo, sem cortes e interrupções, desde que estava na barriga de sua mãe. Todos que Truman já conheceu são atores. Todos os espaços que Truman já frequentou são cenários. Todas as fotografias de viagens na infância que Truman tem são montagens. Sua vida inteira faz parte de um grande show, assistido por milhões de pessoas ao redor do mundo – e só ele não sabe disso. Assim se apresenta o mote dO Show de Truman (The Truman Show, 1998), longa-metragem dirigido por Peter Weir e protagonizado por Jim Carrey.

Nada no Truman é falso, como afirma Christof, criador do programa de televisão – que carrega o nome do filme. A concepção de realidade da personagem principal é condicionada à pequena cidade de Seahaven, em meio à perda fajuta de seu pai em um acidente de barco, durante uma tempestade, a um plot clichê de paixão mal resolvida com Lauren Garland, uma das atrizes que resolveu contar a ele sobre a farsa de sua vida, e a ânsia por encontrá-la na cidade de Fiji, para onde foi dito a ele que ela estaria. Dessa maneira, a vida que conhecemos de Truman nos é, linearmente, mostrada a partir do momento em que sua realidade entra em grande colapso (reaparecimento do pai e pane em vários pontos da organização do programa, por exemplo), salvo por eventuais flashbacks, proporcionados pela própria direção do show.

Truman foi moldado, durante toda a sua vida, para não conseguir sair da ilha em que nasceu. O seu medo de água, derivado do acidente em alto-mar que resultou na morte do pai, o levou a nunca conhecer além dos limites de sua cidade – na verdade, uma instalação de última geração, projetada para ser um estúdio autossuficiente. A narrativa inteira pode se dividir – assim como similarmente nos créditos finais do filme – ao mundo de Truman e ao mundo de Christof, sendo que majoritariamente conhecemos a personagem principal pelas lentes do show; o diretor do programa de televisão e suas cerca de 5000 câmeras acabam por ser uma espécie de personificação do meganarrador, escolhendo o que nos é mostrado e como nos é mostrada a vida de Truman.

O conceito de uma entidade superior observadora, também impresso no longa, pode nos remeter a obras como ‘1984’, de George Orwell, na qual também é retratada a proposta, hoje genérica na cultura popular, do ‘big brother’. Assim, a película não se fixa, apenas, em trabalhar com a quebra da privacidade ou com o julgamento ético sobre o show. A ideia do reality está tão intrínseca no cotidiano dos espectadores, dentro do filme, que não há designação de real ou inventado, muito semelhante com o que nos acontece ao adentrar qualquer obra com a qual firmamos o pacto ficcional. Nós não só aceitamos como vivemos a realidade que nos é apresentada.