Oscars 2017 – Um Limite Entre Nós


“O título original da obra é Fences, cercas. Além de se referir à construção em que Troy passa parte do filme trabalhando, ele faz alegoria às tentativas de manter algo do lado de fora (ou de dentro).”

Por Calvin Cousin
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Indicações:
• Melhor Filme
• Melhor Ator – Denzel Washington
• Melhor Atriz Coadjuvante – Viola Davis
• Melhor Roteiro Adaptado – August Wilson

Aquilo que se deixa de fazer marca tanto a existência de uma pessoa quanto aquilo que se faz. A vida é injusta e faz questão de esfregar isso na nossa cara todos os dias, e as maiores injustiças são aquelas nas quais não temos controle algum. Deixar sonhos para trás nunca é fácil e o peso dessa atitude corrói o espírito daqueles que se sentem frustrados, seja por terem filhos não-planejados ou por ouvirem que não podem praticar seu esporte favorito por conta da cor de sua pele. Um Limite Entre Nós, dirigido e estrelado por Denzel Washington, é exatamente sobre isso: vidas que deram errado e a miséria que sentem.

Utilizando o texto original do dramaturgo August Wilson (cuja peça venceu o Prêmio Pulitzer de Dramaturgia), Um Limite Entre Nós se passa nos anos 50 e conta a história de Troy Maxson (Washington), um lixeiro que sonhava em ser jogador profissional de baseball, até ser barrado pela segregação racial nos Estados Unidos. Quase adentrando a terceira idade, o homem mora com a esposa Rose (Viola Davis) e o filho Cory (Jovan Adepo), que talvez tenha mais oportunidades na vida do que o pai. Ainda, são personagens da obra: o irmão do protagonista, Gabriel (Mykelti Williamson), que possui problemas mentais causados por uma pancada que recebeu na cabeça durante a guerra; Lyons (Russell Hornsby), o filho de Troy em um relacionamento anterior, que sonha em ser músico, e Jim Bono (Stephen Henderson), outro lixeiro e amigo da família. O que segue são casos de infidelidade, conflitos entre gerações e ataques de pânico causados pela frustração de existir, todos explicitados num filme que investe, principalmente, nos diálogos e nas atuações.

Aliás, o excesso de diálogo talvez seja um problema da obra. Primariamente, peças de teatro são textos. É necessário, ao adaptá-las para o cinema, que se expandam as cenas para fortalecer o imaginário e distinguir os filmes das montagens teatrais, como aconteceu com Dúvida e Álbum de Família, que, mesmo sem indicações ao Oscar de Melhor Filme, são adaptações mais bem sucedidas. Os diálogos de August Wilson são ricos e oferecem um ótimo retrato das periferias negras do passado, mas, por aparecerem com poucas alterações, fazem com que o filme passe a perpétua impressão de ser, simplesmente, uma peça gravada ao invés de uma obra audiovisual completa. Os poucos personagens entram e saem de cena como se estivessem em um palco, com deixas observáveis à distância e poucas mudanças de cenário.

Por outro lado, as atuações são sublimes. Como Troy (papel que lhe rendeu o Tony de Melhor Ator em 2010), Denzel Washington é um alcoólatra analfabeto, detestável e violento. O ator está perfeito no papel. O personagem não teve uma vida fácil, e Washington nunca carece em demonstrar isso. Os traumas causados por suas frustrações fazem com que Troy se intrometa na vida dos filhos, por medo de que eles também terminem como fracassos. Talvez não seja o melhor pai do mundo, mas é perceptível, para os espectadores, de onde vem a fúria do protagonista. Ironicamente, sua própria percepção quanto pai de família e protetor é deturpada, uma vez que é o personagem mais sem moral entre os apresentados.

Viola Davis rouba o filme como Rose, o arquétipo de esposa fiel. Em sua terceira indicação ao Oscar (foi anteriormente indicada por Dúvida e Histórias Cruzadas, sendo a atriz negra com o maior número de indicações nos 89 anos da premiação), Davis nunca esteve mais simpática ou ranhosa. De fato, sua atuação é tão visceral que é difícil distinguir, em alguns momentos, aquilo que escorre de seus olhos daquilo que escorre de seu nariz. O completo oposto de Troy, Rose é amável e inteligente, ainda que guarde em seu coração muitos sonhos que foram enterrados em função da vida de casada. A personagem pode não ser uma advogada que trabalha como professora universitária, mas, entre as figuras do filme, é a que demonstra o maior leque de emoções.

Em papéis menores estão Stephen Henderson, cujo Jim é mais sábio do que os demais personagens, e Russell Hornsby, como o paciente Lyons. Mykelti Williamson e Jovan Adepo, por sua vez, desapontam como Gabriel e Cory, respectivamente. O primeiro está muito lúcido para ser um deficiente mental no grau de Gabriel, além de ser exagerado demais para aparecer numa tela (está no ponto de teatro). O segundo é mecânico, mesmo nas cenas mais emotivas. Suas crises de raiva têm contexto, mas não convencem.

O título original da obra é Fences, cercas. Além de se referir à construção em que Troy passa parte do filme trabalhando, ele faz alegoria às tentativas de manter algo do lado de fora (ou de dentro). Aqui, ficar fugindo do passado ou escapando da realidade – seja com álcool ou com amantes – é escancarado como uma prática danosa para a experiência humana. Troy e Rose encararam as frustrações que arruinaram suas vidas de maneiras diferentes e, ainda que morassem sob o mesmo teto, não poderiam ter personalidades mais distintas. No final, a bondade e o perdão podem salvar até mesmo a mais infeliz das almas.

Um Limite Entre Nós (Fences)
Direção: Denzel Washington
Elenco: Denzel Washington, Viola Davis, Stephen Henderson, Jovan Adepo, Russell Hornsby, Mykelti Williamson
Duração: 139 minutos

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14264149_830693777030502_5101510297978826840_nCalvin Cousin é estudante no sexto semestre de Jornalismo na UFPel. Não acredita em horóscopo, mas é aquariano com Vênus em Peixes.

 

 

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